Cansados do trabalho, cansados de interações por tela e cansados demais para interações reais. Duvidamos que reste alguém que nunca reclamou disso. Se este também é o seu caso, bem-vindo à era do cansaço, conceito resultado da reflexão do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han em seu livro A Sociedade do Cansaço, do qual falaremos hoje.
Professor de filosofia e estudos culturais da Universidade de Berlim, na Alemanha, Han também é dono de outros títulos, como Sociedade da Transparência (2012) e Hiperculturalidade: Cultura e globalização (2018), que dão sequência à discussão sobre a sociedade contemporânea e seu comportamento.
Sociedade do Cansaço é uma das poucas obras que aborda a nossa condição de vida atual por uma perspectiva desconfortavelmente sincera.
Como já falamos aqui no blog sobre a síndrome de Burnout, nada mais justo do que explorar alguns motivos pelos quais a sociedade atual anda tão aficionada à produtividade e, por esse caminho, tem se tornado cada vez mais improdutiva – na sua própria opinião.
Confira nosso resumo sobre as reflexões de Han.
Positividade excessiva
Antes mesmo da pandemia, o autor já fazia afirmações sobre aspectos humanos que agora ficaram bastante óbvios. Ele diz que somos obsessivos, por trabalho e pelo desempenho, mas que isso não é resultado de nada feito a curto prazo. Tudo o que somos tem origem no que já fomos.
Além disso, nos identificamos pelo excesso de positividade, priorizando o individualismo e a produtividade acima de tudo. Gostamos tanto disso que é quase difícil encontrar alguém que não veja com bons olhos uma rotina atarefada, com ocupações úteis inclusive na hora do lazer.
A positividade excessiva nos faz acreditar que somos invencíveis, capazes de fazer qualquer coisa e de ter qualquer coisa. Por isso que o sucesso é medido mais pela nossa produção, desempenho e posses.
Com tudo isso, nos cobramos além do necessário para estarmos sempre ativos. Segundo Han, falta na sociedade do cansaço o ócio e o tédio. De repente, qualquer ação que fazemos precisa ter sentido e soar produtiva. Tanta cobrança pessoal só tem um caminho além da improdutividade: o Burnout.
O medo do fracasso
Na reflexão de Han, tanto esforço para ter um alto desempenho gera pessoas depressivas e fracassadas. Apesar da brutalidade dessa afirmação, o autor justifica que o sentimento do fracasso é simplesmente resultado da nossa busca interminável pela capacidade de dar conta de tudo.
E se o simples ato de estar parado já é suficiente para causar a sensação de que não temos utilidade para o mundo, o que podemos dizer da necessidade de ser útil também para pessoas próximas? Ou, melhor dizendo, por que sentimos que não somos tão úteis quanto aqueles que conhecemos?
Comparações são um resultado inevitável de tanta cobrança individual e potencializadas pela exposição. Na sociedade do cansaço, o desempenho é reconhecidamente sinônimo de sucesso e, mais do que ter e ser, precisamos compartilhar.
Exposição ao máximo
Definitivamente, as redes sociais se consagraram como a principal ferramenta para a comunicação contemporânea. Ao mesmo tempo, no entanto, se tornaram o canal de exposição do sucesso tão sonhado pela sociedade do cansaço.
Nelas, só existe espaço para o positivo, para os melhores recortes de uma vida que – adivinha – é perfeitamente produtiva e bem-sucedida. Para quem posta, é uma forma de reafirmar a própria busca pelo sucesso e, para quem acompanha, é um mecanismo de comparação dos próprios resultados.
Precisamos ser felizes, estar satisfeitos, ter relações perfeitas, mas, no fundo, nunca teremos isso por completo. É tanta informação de como devemos ser e agir que nosso esgotamento ultrapassa os limites da normalidade e, no final das contas, já nem absorvemos os estímulos da forma certa.
A impossibilidade de ser produtivo
Estamos tão cansados de tanta coisa acontecendo e de vê-las que, na mesma medida, não prestamos atenção em nada. Queremos ser produtivos e acabamos fazendo de tudo ao mesmo tempo.
Não existe uma maneira confiável de focar em várias coisas e dedicar a mesma qualidade em todas. E aqui, finalmente, podemos entender o porquê de o sentimento de improdutividade estar mais presente do que nunca.
De acordo com Han, a chamada hiperatenção (hyperattention) é mais dispersa do que atenciosa. Com ela, mudamos de foco entre diversas atividades, informações e processos, mas não nos aprofundamos em nenhuma etapa.
O autor, a essa altura, faz também um alerta: conforme nossa tolerância para o tédio diminuiu, deixamos de ser inovadores, uma vez que não temos mais espaço para aproveitar o ócio criativo.
É um caminho sem volta?
Embora exista uma estranha promessa de que todo esforço é recompensado, estamos vivenciando como nunca o que tanta dedicação e trabalho duro tem feito pela nossa saúde e bem-estar. Isso mostra que nem sempre existem recompensas.
Para quem entende o valor de ser menos servo do cansaço e de se sentir bem mesmo quando está “improdutivo”, talvez exista uma questão para andar no sentido contrário ao da sociedade do cansaço: por que precisamos viver em função da produtividade?
Se você tem a resposta para isso ou alguma opinião sobre o assunto, não deixe de compartilhar com a gente ?