A COP30 marca um ponto de inflexão histórico. Mais do que um encontro entre nações, simboliza a urgência de uma mudança de consciência coletiva. O colapso ambiental, social e institucional que enfrentamos não é apenas consequência da exploração da natureza — é reflexo de uma forma de governar baseada na escassez, no controle e na desconexão.
Por décadas, a governança corporativa tradicional buscou garantir transparência, eficiência e mitigação de riscos. Cumpriu papel fundamental em tempos de estabilidade, mas vem se mostrando insuficiente diante de um mundo em transição acelerada. Dados da Gallup (2025) revelam que apenas 21% dos funcionários globalmente estão realmente engajados, representando perdas anuais estimadas em US$ 400 bilhões. A lógica linear, hierárquica e centrada em resultados imediatos não consegue lidar com a complexidade dos sistemas vivos.
É nesse contexto que emerge a Governança Generativa — uma nova lente para compreender o papel das organizações como ecossistemas que aprendem, se adaptam e se regeneram, incorporando princípios da biomimética, da biologia do conhecer de Humberto Maturana e da Teoria U de Otto Scharmer.
DO CONTROLE À CONSCIÊNCIA: UMA MUDANÇA DE PARADIGMA
Se a governança clássica se estrutura no eixo controle → conformidade → desempenho, a governança generativa se ancora no eixo consciência → coerência → contribuição. Seu foco não é apenas o que a organização faz, mas como ela se relaciona com os sistemas dos quais faz parte: pessoas, comunidades, meio ambiente, cultura e economia.
Nesse paradigma, a governança deixa de ser um conjunto de regras e passa a ser um campo de consciência compartilhada, onde cada decisão emerge da escuta profunda do sistema. Como observa Peter Senge, organizações que aprendem cultivam “a capacidade de ver o todo e agir a partir dele”. O papel dos conselhos e lideranças é menos o de decidir e mais o de facilitar a inteligência coletiva.
O FRAMEWORK GENERATIVO™: A MATEMÁTICA DA NATUREZA APLICADA AOS NEGÓCIOS
Inspirado na sequência de Fibonacci — expressão matemática do crescimento orgânico na natureza —, o Framework Generativo™ estrutura-se em nove atributos interdependentes:
1. Propósito Organizacional — O “para quê” a organização existe além do lucro.
2. Objetivos Estratégicos — Indicadores sistêmicos de sucesso.
3. Cultura Organizacional — Valores que balizam decisões.
4. Políticas Internas — Diretrizes que garantem autonomia com responsabilidade.
5. Soluções Oferecidas — Conectam propósito às necessidades do ecossistema.
6. Ecossistema Envolvido — Parcerias que potencializam valor mútuo.
7. Impactos Gerados — Mensuração dos efeitos econômicos, sociais e ambientais.
8. Legado Institucional — A história contada sobre a organização.
9. Relações Generativas — Conexões que antecipam tendências.
Esses nove elementos operam de forma circular, refletindo a coerência entre propósito, estrutura, cultura e consciência. Diferente dos modelos tradicionais (SWOT, PESTEL, Canvas) que oferecem visões estáticas e fragmentadas, o Framework Generativo™ evidencia as interconexões dinâmicas entre decisões e integra a evolução contínua como princípio de design.
GOVERNANÇA GENERATIVA FRENTE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: DA ANÁLISE À AÇÃO
As mudanças climáticas revelam a inadequação dos modelos de governança atuais. Enquanto a crise exige respostas integradas e adaptativas, a maioria das organizações opera com estruturas fragmentadas, métricas de curto prazo e análises estáticas.
A Governança Generativa oferece um caminho prático. Aplicando o Framework Generativo™, as organizações podem reposicionar-se estrategicamente:
No eixo Propósito-Objetivos-Cultura, a governança climática começa internamente: redefinindo a razão de existir para além da maximização de lucros, estabelecendo objetivos que integram resiliência climática e cultivando uma cultura que valoriza interdependência com os sistemas naturais.
No eixo Políticas-Soluções-Ecossistema, a ação se materializa: políticas que precificam carbono nas decisões estratégicas, soluções que regeneram recursos utilizados, e parcerias que ampliam impacto positivo. A transição energética exige redesenhar cadeias inteiras de valor, envolver fornecedores em metas compartilhadas e criar modelos circulares.
No eixo Impactos-Legado-Relações, a governança climática se consolida: mensurando capacidade de regeneração, construindo legado de liderança climática e estabelecendo relações que antecipam riscos e convertem ameaças em oportunidades.
COP30: O IMPERATIVO DA GOVERNANÇA PARA A AÇÃO CLIMÁTICA
A COP30 coloca o Brasil no epicentro do debate climático global. A questão central não é apenas o que devemos fazer — é quem governa essa transformação e como decisões climáticas são efetivamente tomadas.
A resposta convencional — relatórios de sustentabilidade, comitês ESG, metas de neutralidade — é necessária, mas insuficiente. Segundo a OCDE, menos de 30% das empresas que declaram metas climáticas possuem estruturas de governança que efetivamente as integram nas decisões estratégicas cotidianas.
A Governança Generativa propõe tornar a questão climática o centro gravitacional da governança, não uma vertical isolada. Isso significa:
- Conselhos que governam pelo futuro emergente, incorporando cenários climáticos nas análises de risco e oportunidade;
- Lideranças que facilitam transições sistêmicas, conectando descarbonização com desenvolvimento de talentos, inovação e fortalecimento comunitário;
- Organizações que operam como ecossistemas regenerativos, onde cada decisão considera seu impacto nos ciclos da vida.
Como propõe Daniel Christian Wahl, não se trata de fazer menos mal, mas de criar sistemas que ativamente regeneram os ecossistemas dos quais dependemos.

O CONVITE PARA UMA NOVA GOVERNANÇA
A Governança Generativa é um convite: para que conselhos, investidores e gestores deixem de atuar como “donos” de recursos e passem a agir como guardiões de ecossistemas. O tempo das reformas já passou. O que o planeta pede agora é transformação estrutural — e ela começa pela forma como decidimos, nos relacionamos e cuidamos do que está sob nossa responsabilidade.
Como escreveu Otto Scharmer, “o futuro que queremos só pode emergir se o criarmos a partir de um estado de presença”. É exatamente esse o chamado da Governança Generativa: governar com consciência para regenerar o que nos sustenta.
Artigo de Thiago Altoé e Marcela Argollo, especialistas convidados pelo MBA USP/Esalq.
Referências
- ARGOLLO, Marcela (org.). Ligando os Pontos do ESG: para uma nova dinâmica. São Paulo: Literare Books, 2025.
- BENYUS, Janine. Biomimética: inovação inspirada pela natureza. São Paulo: Cultrix, 2008.
- ELKINGTON, John. Green Swans: The Coming Boom in Regenerative Capitalism. New York: Fast Company Press, 2020.
- GALLUP. State of the Global Workplace Report 2025. Washington: Gallup Press, 2025.
- MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento. São Paulo: Palas Athena, 2001.
- OECD. Principles of Corporate Governance. Paris: OECD Publishing, 2023.
- SCHARMER, Otto. Teoria U: como liderar pela percepção e realização do futuro emergente. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
- SENGE, Peter. A Quinta Disciplina. Rio de Janeiro: Best Seller, 2009.
- WAHL, Daniel Christian. Designing Regenerative Cultures. Axminster: Triarchy Press, 2016.
- WILBER, Ken. Uma Teoria de Tudo. São Paulo: Cultrix, 2007.

