Quase todo mundo tem claro o conceito de empatia, ou ao menos acha que tem. Para muitos, a resposta pronta de âse colocar no lugar do outroâ jĂĄ basta para mostrar essa noção. SĂł que ela realmente se resume a isso? E para quem encara os novos desafios da educação, o que existe para aprender com a empatia?
Primeiro de tudo, entenda o que nĂŁo Ă© empatia. Essa habilidade emocional nĂŁo acontece quando vocĂȘ escuta alguĂ©m e faz comparação dos problemas dessa pessoa com o de outras. Dar conselhos e dicas, ainda que acompanhados de uma boa intenção, tambĂ©m nĂŁo significa ter empatia.
âEsses sĂŁo exemplos de obstĂĄculos da empatia e indicam muitas vezes uma pressa de resolver uma situação, alĂ©m de mostrar uma inabilidade de inteligĂȘncia emocionalâ, explica a professora Raylla Andrade, que ministra aulas no MBA USP/Esalq sobre comunicação nĂŁo violenta.
âAprendemos muito pouco a falar e ouvir sobre os sentimentos, especialmente sobre aqueles que sĂŁo negativos, que geram desconforto e impotĂȘncia. Diante dessa incapacidade, tentamos resolver de imediato ou colocar panos quentes. Infelizmente, e mesmo com boa intenção, passamos a mensagem de que o assunto Ă© desagradĂĄvelâ, acrescenta.
A urgĂȘncia Ă© contra a empatia
Ritmos de vida cada vez mais acelerados e focados no fazer jĂĄ, resolver o quanto antes e ter resultados imediatos demandam a necessidade de rever o que priorizamos no dia a dia e quem escutamos.
Ao ouvir pessoas, muitas vezes não damos a devida atenção à fala ou problema, daà surgem os problemas de comunicação, mesmo nas conversas mais informais.
âMuitas vezes, a pessoa que estĂĄ desabafando recebe essa reação imediata ao seu problema, junto com a solução milagrosa, de forma negativa. O que deveria gerar conexĂŁo, tem efeito contrĂĄrioâ, alerta Raylla.
E a linguagem corporal tambĂ©m pode revelar muito sobre como um interlocutor se sente quando nĂŁo Ă© ouvido com empatia. VocĂȘ provavelmente jĂĄ deve ter respondido com desĂąnimo a uma dica, apenas para nĂŁo desagradar o autor dela. Ainda assim, terminou a conversa com certa frustração por nĂŁo ter seu problema ouvido da forma como desejava. Estamos certos?
Dentro do contexto escolar, Raylla afirma que, mais do que nunca, a empatia se tornou elemento essencial para lidar com realidades extremamente diferentes, ainda que muito parecidas em um primeiro olhar.
âMas dedicar atenção a cada famĂlia permite perceber melhor cada semelhança e cada individualidadeâ, observa a professora.
Por isso, como parte da comunicação não violenta, abrir mão do que jå sabemos e dos conselhos que temos prontos gera abertura para o diålogo e ajuda a checar se realmente entendemos a pessoa que estå falando.
Os nĂveis do diĂĄlogo
Para compreender bem a empatia, saiba que existem diferentes nĂveis de diĂĄlogo. Segundo Raylla, um deles Ă© quando escutamos alguĂ©m educadamente, apenas esperando a fala terminar para responder. Isso jĂĄ Ă© melhor do que interromper, mas ainda estĂĄ longe do que Ă© considerado empatia.
O outro nĂvel jĂĄ pode ser chamado de escuta ativa. âAcontece quando eu checo com o meu interlocutor se aquilo que eu estou entendendo de fato faz sentido. Por exemplo: de tempos em tempos eu posso fazer a chamada parĂĄfrase, ou espelhamento, em que certifico sobre a fala que estou ouvindoâ, exemplifica a professora.
JĂĄ em uma camada mais profunda desses dois nĂveis estĂĄ a escuta empĂĄtica. Nela escutamos o outro para compreender como ele estĂĄ se sentindo e para encontrar a raiz das necessidades, tambĂ©m chamadas de necessidades humanas universais.
Descritas por Marshall Rosenberg no livro Comunicação Não-Violenta: Técnicas Para Aprimorar Relacionamentos Pessoais e Profissionais, elas são coisas indispensåveis para nossas vidas e das quais não abrimos mão nem agora e nem no futuro.
Aqui no Next falamos sobre o mesmo assunto abordando a PirĂąmide de Maslow e vocĂȘ pode relembrar clicando aqui.
As necessidades humanas universais levam ao que consideramos mais precioso na vida, como a saĂșde, segurança (fĂsica, psicolĂłgica, emocional), aceitação, valorização, pertencimento, inclusĂŁo, propĂłsito, contribuição e aprendizado.
âE ouso dizer que boa parte das pessoas que procuram atuar na educação talvez tenham a necessidade muito forte de aprendizado, seja o prĂłprio ou das outras pessoasâ, comenta Raylla.
As necessidades existem em todos os lados
Uma coisa vocĂȘ pode ter certeza: a lista de necessidades humanas universais Ă© valorizada por todas as pessoas, independentemente da classe social ou situação vivida. O que estĂĄ por trĂĄs dessas necessidades Ă© que elas sĂŁo tĂŁo preciosas que, se ficam em falta, nos sentimos mal.
âIsso gera um desconforto seguido de vĂĄrios sentimentos desagradĂĄveis, como irritação, chateação, frustração, medo, apreensĂŁo e por aĂ vai. Em contrapartida, quando essas necessidades sĂŁo atendidas, temos sentimentos agradĂĄveis, nos sentimos bemâ, observa Raylla.
Por isso que ao entender melhor sobre as necessidades somos capazes de compreender cada experiĂȘncia humana e finalmente chegamos na empatia, jĂĄ que Ă© com ela que escutamos sobre o sentimento do outro, legitimamos e damos um passo alĂ©m para pensar na pergunta: de qual necessidade esse sentimento Ă© mensageiro?
âA ideia da empatia Ă© que no diĂĄlogo a gente possa compreender o outro nessas camadas e saber o que ele precisa. E a boa notĂcia Ă© que, como essas necessidades sĂŁo compartilhadas entre nĂłs, quando escutamos com empatia conseguimos nos conectar e perceber nos sentimentos do outro que a necessidade dele faz sentidoâ, lembra Raylla.
Mas ela também faz o alerta para uma pegadinha.
âA gente nĂŁo vai concordar com o outro apenas por usar a empatia. Por isso muitas pessoas se fecham ao diĂĄlogo. Podemos sim empatizar e compreender, mesmo quando vamos discordar de alguĂ©mâ, reforça.
Empatia e parceria
Segundo a professora, trabalhar a empatia não é fåcil justamente por esse ponto. Mas é a partir dele que se deve tentar ainda mais compreender, se fazer compreendido e, com parceria, buscar soluçÔes que sejam ganha-ganha e não seguir pela simples lógica do perde-ganha, em que só um dos lados sai vitorioso.
Por não ser uma tarefa simples, muitas vezes podemos acreditar que uma conversa pode virar, a qualquer momento, uma batalha e começamos a levantar muros de defesa.
âA gente precisa sustentar diĂĄlogos, ainda que existam desconfortos, pontos negativos e problemas, pois nĂŁo estĂĄ tudo bem e nem vai ser fĂĄcil ficar tudo bem. NĂŁo posso querer o bem sĂł para o lado de cĂĄ, preciso achar o que pode estar minimamente bem para todos os lados.â
Para que escolas e famĂlias sejam cada vez mais parceiras, uma coisa Ă© certa: entender o outro a partir da fala dele exige muito treino da habilidade emocional.
Vamos conversar sobre esse desafio nas aulas do MBA em GestĂŁo Escolar USP/Esalq?