Não é segredo para ninguém que, nos últimos meses, estamos vivendo um cenário nunca imaginado. Muitas pessoas estão comparando o distanciamento social com cenas de filmes (e desenham todo um roteiro pós-apocalíptico para imaginar nossa vida no futuro). Contudo, as coisas podem ser um pouco mais simples para quem consegue readequar seus hábitos mentais.
“Estamos vivendo um ponto de inflexão na maneira como trabalhamos, estudamos e nos relacionamos.” Quem introduz o assunto é o professor Edgard Stuber, do MBA USP/Esalq em Gestão de Pessoas. Pesquisador especializado na resolução de problemas complexos e nos processos de inovação, ele foca seus estudos atuais na liderança necessária para resolução de problemas em ambientes de alta complexidade.
O ser humano, como qualquer outra espécie, é um animal de hábitos. E nosso modelo mental – que é a nossa forma de enxergar o mundo – foi construído em torno da Revolução Industrial. Stuber explica: “Nos acostumamos a trabalhar em silos, com dificuldade de colaborar com colegas de outros departamentos ou áreas, e divididos por funções, com poucas relações entre as pessoas, em um processo encastelado, em que as empresas se fecham nelas mesmas.”
Na opinião do professor, vivemos um caminho que nos leva a importantes considerações sobre equipes mais descentralizadas e ensino híbrido, chamado de blended learning, em que as aulas, além de online, também ocorrem em diferentes formatos, como webinars.
Como definir os hábitos mentais?
Desde que nascemos, carregamos um pouco do conhecimento ancestral que se amplia de acordo com nossa vivência em família. Por sermos mamíferos, temos a tendência de copiar e imitar nossos pais, desenvolvendo hábitos mentais parecidos. A escola, as amizades e nossas conexões também contribuem para que eles se construam.
O ponto de atenção aqui, segundo Stuber, é não nos focarmos em apenas um padrão de hábitos mentais. Assim, a recomendação do professor é o desenvolvimento de um modelo mental mais empírico, em que copiamos a natureza.
“Diante de incertezas, precisamos ir de tentativa e erro, porque não existe um método único. Precisamos fazer muita experimentação e errar rapidamente, para avançar o processo cognitivo e conseguir pequenos ganhos com a resolução de problemas cada vez mais complexos”, completa.
Gestão mais humana
Para questionar nossas relações e criar hábitos mentais em consonância com essa nova realidade, é preciso investir em gestões mais humanas e menos mecanicistas e reducionistas. “Temos a tendência de trabalhar com padrões do século passado. Mas estamos diante de uma complexidade sem precedentes, que ninguém nunca viveu. Por isso precisamos olhar as coisas de forma mais orgânica”, destaca.
Ter empatia para se colocar no lugar do outro, ser mais altruísta e tolerante e aceitar os erros são os principais desafios desse novo momento, uma vez que a gestão não costuma aceitar falhas e preza pela “replicabilidade”, a fim de repetir padrões que, aparentemente, funcionam e até simplificar as coisas para minimizar ou esconder incertezas.
“Mas agora temos que enfrentar essa incerteza e de uma maneira muito abrupta. Isso significa que vamos precisar criar hábitos mentais que vão além da motivação e entram em um campo mais complexo de mudar: o comportamento”, aponta Stuber.
A boa notícia é que temos a tecnologia a nosso favor. Quando pensamos que as inteligências artificiais podem assumir nossos postos de trabalho, devemos considerar que o lado humano é insubstituível por algoritmos e tem grande potencial para se sobressair diante dessa crise.
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“Ter bons julgamentos está diretamente ligado à tomada de decisões que, por sua vez, está ligada a hábitos mentais. Tudo isso são coisas da natureza do ser humano, cujos aspectos biológico e cultural serão mais valorizados. Também aposto na valorização da intuição, que faz parte de um processo cognitivo, um conhecimento que temos e não sabemos explicar como”, aposta Stuber.
O desenvolvimento do pensamento crítico também será imprescindível para um futuro próximo. Se estamos mais isolados, fisicamente, e com emoções exacerbadas, como medo, surpresa e ansiedade, é preciso refletir e criar argumentações bem embasadas para convencer pessoas a distância.
Diversidade e cooperação
Como você viu, a concepção de novos hábitos mentais depende da gestão humanizada e da consequente integração das equipes. Tudo isso só é possível com a diversidade.
“Nós temos muito o que aprender observando a natureza. Ela nos mostra que a diversidade é muito importante. No nosso caso, ela pode ser de opiniões, de gerações, de gênero. Todo mundo tem muito para contribuir e cada nova perspectiva nos oferece uma noção melhor do problema que estamos tentando resolver”, comenta.
O professor ainda defende que a espécie humana só chegou onde chegou devido à cooperação, uma questão hereditária que herdamos dos nossos ancestrais caçadores-coletores, que já não conseguiam viver sozinhos há milhares de anos.
A sobrevivência e desenvolvimento vieram quando nos juntamos em grupos. Por isso a cooperação, a dimensão da espécie que nos diferencia, sempre foi fundamental e conta agora com a ajuda da tecnologia.
“Com o trabalho em grupo e a cooperação precisamos acomodar algumas ideias, fazendo pressões e exigências sobre as pessoas e fortalecendo nosso aspecto moral. Tudo isso leva ao desenvolvimento de uma parte do nosso cérebro, chamada neocórtex”, justifica. Claro que esse processo é muito complexo. E pode ficar ainda mais complicado quando não vemos a pessoa cara a cara.
Hábitos de líderes
Para os líderes, não apenas considerar hábitos mentais mais empíricos pode contribuir com o cargo, mas a plasticidade cognitiva, o ato de estar sempre aberto a aprender coisas novas, também é um diferencial.
Então, a figura do gestor precisa proporcionar um ambiente de segurança para a equipe, onde os colaboradores entendam que podem errar e que são vulneráveis. Ao mesmo tempo, ele deve oferecer uma rede de apoio psicológico para o crescimento e desenvolvimento dos potenciais de criatividade e imaginação desses colaboradores.
“O líder tem um papel fundamental de humildade e de ser um facilitador, dando recursos para as pessoas, sem atrapalhar ou julgar. Ele não é mais uma pessoa querendo mostrar o caminho, porque ninguém sabe qual é o caminho. Ele se dispõe a trilhar junto de sua equipe”, explica Stuber.
É preciso saber que o contexto está mudando de forma fluida e com uma rapidez que exige adaptação. Por isso a importância de hábitos mentais empíricos e abertos a aprender a aprender (habilidade que também é destaque quando falamos em orientações básicas no setor de educação).
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