Eu devo estar lá pela minha décima Agrishow. Ainda assim, toda vez que volto da feira, retorno impressionado com a magnitude das coisas. É tudo grande! No estacionamento já vem uma primeira deixa: o mar de caminhonetes. É praticamente uma alameda de caçambas, que nos direciona à portaria. Entrando na feira, aquele formigueiro de chapéus de feltro e bonés, acompanhados de sacolas dos mais variados tamanhos e cores. Brindes conseguidos nos – cada vez mais pomposos e grandiosos – stands das empresas, que anualmente apresentam suas novidades ao mercado. Novidades que, não obrigatoriamente, mas comumente, se protagonizavam em função do tamanho das tecnologias. Tratores cada vez mais potentes, passando dos 500 cavalos de potência, puxando semeadoras que permitem o plantio simultâneo de mais de 60 linhas. Cada vez mais hectares sendo feitos em uma mesma passada. Gigantes no campo.
Esse contexto de grandiosidade teve como fundamento a buscas por maiores produtividades e a necessidade de atender escalas cada vez maiores de produção. Ao passar dos anos, em termos proporcionais, o número de consumidores de alimentos aumentou, enquanto o número de produtores caiu. E para fechar essa conta, apenas com mais produtividade e eficiência. No caso de máquinas, para aumentarmos a capacidade de trabalho efetiva (não considera, portanto, manobra, abastecimentos, regulagens e demais tempos relacionados à gestão que interferem nas eficiências) dos maquinários, só existem duas saídas, aumentar a largura de trabalho ou a velocidade de deslocamento, afinal, o desempenho efetivo do conjunto motomecanizado é dado em função da relação destas variáveis. Posto de outra forma, ou o maquinário anda mais rápido, ou leva mais linhas em uma mesma passada. E para que isso ocorra, são necessárias doses cada vez maiores de cavalos-vapor.
Um cenário que começa mudar. E não porque o limite de tamanho foi atingido, até porque sabe-se que existem gigantes maiores sendo desenvolvidos. A mudança vem sendo determinada pela onda do digital, norteada por conceitos de conectividade e que permitem, principalmente, a automação dos processos. Mas que raios isso tem a ver com o tamanho? Afinal, o processo não discriminatório, também é possível automatizar os gigantes. Acontece que coisas muito grandes – ou muito pequenas, os extremos na verdade – servem para chamar a atenção e entrar no guinness book. Na prática, podem se tornar grandes gargalos operacionais e econômicos.
Os gigantes não são “brinquedos” para qualquer um. Só se justificam para cenários de produção também gigantes. O que para muitas regiões e cultivos não é a realidade. Não vou me arriscar a estabelecer um número que viabiliza a escala, ou elencar as culturas que podem ou não utilizar desses maquinários. Mas, imagino que se a produção em questão não for grãos, cana, algodão, enfim, as grandes culturas e que, no caso do Brasil, a propriedade não estiver localizada no Mato Grosso, Bahia, Maranhão – regiões com expressivos módulos de produção de um único produtor, dificilmente o uso do maquinário seja viável. E devemos lembrar que não somente o tamanho da propriedade é determinante. A infraestrutura das áreas também deve estar adequada para receber o gigante, afinal, em uma analogia, “acomodar pessoas de grande estatura em avião é complicado”. Você já parou para pensar no tamanho dos carreadores para o deslocamento interno e realização de manobras desse maquinário? Nas pontes (sim, entre os rios), para passar de uma a área outra? No tamanho da prancha para deslocar nas estradas? Se bobear vai precisar de batedor… E claro, junto com o tamanho vem o preço. Se considerarmos uma referência média (chute mais ou menos) de R$ 1.200/cv, um gigante de 500 cv sai na faixa de R$ 600 mil. Definitivamente não é brinquedo para qualquer um.
Agora, imagine o mesmo contexto de produção, só que substituindo gigantes por nanicos.Tratores pequenos, autônomos, versáteis, se adequando a diferentes realidades. Um exército mais ou menos grande – dependendo da escala e, portanto, adequando ao bolso do produtor, subjugados digitalmente por um “general”. Verdadeiros minions rurais. Mas talvez a maior vantagem da pulverização da potência, além de contornar os problemas citados, é a descentralização do trabalho e, consequentemente, do risco. Ao concentrar a potência nos gigantes, ficamos refém de um soldado, que apesar de forte, é único. Pois bem, e se o gigante quebra, como fica o produtor rural? Parado. E máquina parada é prejuízo à atividade. Um cenário que não ocorre quando há distribuição de força de trabalho, afinal, perde-se um soldado, mas o exército não para.
É provável que nas minhas próximas Agrishow´s eu ainda continue me espantando com o tamanho da feira, com a alameda das caminhonetes, com o formigueiro de chapéus de feltro e modernidade dos stands. Mas, em termos da grandeza dos maquinários, acredito que a curva iniciou sua inflexão. A agricultura do futuro é de nanicos, não de gigantes.
João Rosa é professor do Pecege e idealizador do canal Botão do Excel