Esses dias sai fazer exercícios e percebi como estava fresco. Não o ambiente, eu. Fiquei incomodado pois havia esquecido o fone de ouvido intra-auricular (aquele que encaixa direitinho no ouvido, isolando boa parte do som externo) e tive que sair com os tradicionais. O fone caía de vez em quando, o som da música não estava no volume que gosto de ouvir, enfim, estava insatisfeito. Comecei a refletir sobre meu comportamento. Será que é porque sou um Millennial ou da geração Y? Um indivíduo nascido no período que compreende o início da década de 80 até meados da década de 90, que se desenvolveu em um ambiente urbanizado, com grandes avanços tecnológicos, prosperidade econômica e relativa facilidade material? Lembrei então do meu pai, um sujeito da geração X, que considera os nascidos entre 1960 e até o final de 1970. Um indivíduo que cresceu em um contexto completamente diferente do meu, mas também que viu certos avanços. Provavelmente meu pai não ia se importar de caminhar com o fone tradicional, afinal, na época dele ou não tinha fone ou seriam aqueles walkmans´s, que tocavam fita, com fones revestidos por espuma. Provavelmente também eu levaria um esporro: “Larga mão de ser fresco moleque. Na minha época…”. Aí você já viu né, se vem o “na minha época” pode “sentar que lá vem história”. E claro, ouvir os mais velhos é sempre bom, mas que a velha guarda tem mania de exaltar que a época deles que era a “f***”, tem. Então pensei nos meus filhos, os Centennials ou geração Z. Nascidos a partir do final da década de 90, onde a conectividade é o segundo oxigênio. Internet, redes sociais, informatização, acesso fácil, são alguns dos termos que circundam a realidade em termos de tecnologia. Provavelmente nem sairiam de casa: “Onde já se viu? Sair de casa sem um fone intra-auricular? Como vou andar direito? A música não vai tocar no volume ideal e não vou me empolgar. Aí corro menos, me desmotivo, etc…”. Aí eu já daria um esporro em um dos representantes da geração “mi mi mi”: “Larga mão de ser fresc(a). Na minha época…”. Aí você já viu né, a velha/nova guarda também carrega vícios e tem mania de exaltar que a época dela foi “difícil”. Evidente que minhas considerações chegam a ser cômicas e são carregadas de um certo exagero, mas me levam a refletir que independente de qual letra do alfabeto caracteriza nossa geração, se Millennials ou Centennials, somos na verdade todos Kannials. Uma neologia originada do “Modelo de Kano”, uma teoria da gestão da qualidade que relaciona satisfação do cliente com desempenho do produto. De acordo com o modelo, cuja lógica é ilustrada na figura a seguir, a expectativa/comportamento dos clientes é dividida basicamente em três grupos:
Necessidades: O usuário assume que determinada funcionalidade estará presente, de modo quem oferece o serviço não ganhará ponto extra pela característica, enquanto na sua ausência é gerada uma sensação de insatisfação. Por exemplo, nos dias atuais, ao comprar uma TV você pergunta se ela vem com controle remoto? Provável que não, tendo em vista que isso se tornou uma necessidade, uma essencialidade do produto. Desejo: O termo “desejo” remete a “querer”, a “vontade”, ou seja, atende à uma necessidade de desempenho e, quanto mais melhor. Por isso da tendência linear da ilustração. Exemplo: autonomia de veículos. O carro vai rodar com uma determinada quantidade de combustível, mas, quanto mais rodar com uma mesma quantidade, melhor. Supera as expectativas: É a reação mais desejada em um cliente, sendo o ápice da satisfação. É o “nossa! que da hora!” (pra não escrever outra coisa). Por exemplo: é comprar algo novo, ser entregue antes da data prevista e ainda vir com algum tipo de brinde legal junto. Nesse processo que relaciona expectativa com satisfação, o tempo e a evolução se tornam catalisadores da banalidade. A novidade de hoje tende a ser a obrigação de amanhã. Nós nunca estamos satisfeitos. E quem de certa forma relembrou o Modelo de Kano recentemente foi CEO da Amazon, Jeff Bezos, ao declarar em carta os acionistas diante de prêmios que a empresa conquistou em relação à satisfação dos clientes: “Uma coisa que eu amo nos clientes é que eles estão divinamente descontentes. Suas expectativas nunca são estáticas – elas sobem. É a natureza humana. Nós não ascendemos de nossos dias de caçadores-coletores estando satisfeitos. As pessoas têm um apetite voraz por um caminho melhor, e o ‘uau’ de ontem rapidamente se torna o ‘ordinário’ de hoje. Eu vejo esse ciclo de melhoria acontecendo em um ritmo mais rápido do que nunca.” No âmbito empresarial, a mensagem do homem mais rico do mundo – com fortuna estimada em mais de 150 bilhões de dólares e a frente da segunda empresa a atingir a marca de 1 trilhão de dólares (cerca de 50% do PIB brasileiro. Se juntar com a Apple aí dá o PIB inteiro) – é clara, foco no cliente e inovação são palavras chaves que permeiam o sucesso e sobrevivência das empresas. Mas o Kanianismo, infelizmente, vai além de nossos hábitos de consumos, se estendendo, por exemplo, para nossos relacionamentos e objetivos pessoais. Parece que sempre estamos atrás de um recorde, de uma meta (que a propósito, quando atingida será dobrada! Desculpe, não podia perder a piada), de algo a ser melhorado. O que de certa forma é saudável, já que nos motiva a crescer, mas que também deve ter um limite, para não tornarmos necessidade aquilo que não é, entrando com isso na zona de “insatisfação”. É por isso que ao refletir sobre minha insatisfação com o fone de ouvido tradicional, recordo uma frase de Shakespeare: “Sofremos demasiado pelo pouco que nos falta e alegramo-nos pouco pelo muito que temos”. Independentemente da situação, seja você a “letra” ou “ennanial” que for, procure buscar o equilíbrio entre Kano e Shakespeare e lembre-se: para quem não tem nada, metade é o dobro. Botão (João Rosa) é professor do Pecege e idealizador do canal Botão do Excel.